quinta-feira, 3 de março de 2011

Artistas revelam que falta de recursos financeiros é o principal dificultador da produção artística na periferia



A Vila Acaba Mundo é uma das 18 comunidades pesquisadas pela ONG Favela é Isso Aí, em seu projeto Banco da Memória, e expressa de maneira contundente a necessidade de capital de giro para a manutenção e crescimento da produção cultural das vilas e favelas. Na Vila, localizada no Bairro Sion, região Centro-Sul da capital, dos 30 artistas cadastrados, 23 relataram como principal dificuldade a falta de recursos materiais e financeiros. Já no Conjunto Felicidade, onde foram cadastrados 85 artistas, 66 afirmaram que a falta de recursos materiais e financeiros representa a maior dificuldade para a produção artística. A falta de espaço para produzir, ensaiar e expor ficou em segundo lugar e a necessidade de divulgação também esteve entre as dificuldades mais apontadas pelos artistas locais, como aconteceu na maior parte das comunidades. No Conjunto Mariquinhas, a análise de cadastros também revela como maior necessidade a de recursos materiais e financeiros para produção do trabalho artístico, relatada por 41 artistas, 87,23% do total.

Marco Antonio Fernandes, conhecido como Tatu, é músico e morador da Vila Acaba Mundo. A necessidade de garantir o sustento de sua família fez o artista colocar em segundo plano sua grande paixão pela música, para dedicar-se ao ofício de cabeleireiro. “Tenho que cortar cabelos porque não ganho com a música, mas gostaria sim de poder cantar e tocar para as pessoas, mostrando meu trabalho, fazendo aquilo que realmente gosto. Não desisti da música, mesmo com o término da minha banda anterior, continuo compondo em casa, tocando, fazendo arranjos”, conta o músico, que no momento está iniciando uma banda nova, ainda sem nome, com mais três integrantes.

Carlos Ricardo, dançarino da Vila Novo Ouro Preto, começou a dançar a cerca de três anos. Apresentava-se em campeonatos de axé e em colégios, mas não tinha retorno financeiro com as apresentações. Além da necessidade de um trabalho para sustento próprio, a falta de apoio para transporte e para investir em figurino tornou difícil a continuidade do trabalho artístico. A falta de recursos fez com que os cinco jovens do grupo de Ricardo interrompessem as atividades. Atualmente prepara sua volta aos palcos, junto com mais três amigos e planeja participar da competição de dança “Compete Axé”, famosa entre os dançarinos. “Preciso voltar a dançar com urgência, porque quando um dançarino pára, vai perdendo a prática. Tenho dançado somente quando vou a shows e festas, como público. Quero poder voltar a investir em DVD’s de dança e a dar aulas”, conta o rapaz que já deu aulas em academias, no Programa Escola Aberta e, também como voluntário, na Igreja de Nossa Senhora Aparecida na Vila Novo Ouro Preto. Hoje o jovem de vinte anos é funcionário de uma lavanderia, trabalho que ajuda no sustento de sua casa.

Para Clarice Libânio, coordenadora da ONG Favela é Isso Aí e autora do Guia Cultural das Vilas e Favelas, a dificuldade da produção artística na periferia não se relaciona somente com a falta de recursos, mas também à forma como eles são administrados. “O recurso está muito ligado a outros fatores. Obter só recursos não soluciona a questão, porque se o dinheiro não é bem aplicado e gerido, não possibilita uma mudança para o desenvolvimento da produção artística. Sem planejamento, o dinheiro todo é gasto, sem retorno. O Poder Público poderia capacitar os grupos culturais para gerir a si mesmos, capacitando, oferecendo noções de empreendedorismo e planejamento. Por exemplo, um grupo teatral consegue recursos para a compra de figurino, cenário, mas se não consegue realizar apresentações, o dinheiro acaba. Os grupos devem se auto-gerenciar como uma microempresa, com racionalidade na aplicação de recursos e na busca de novas fontes, garantindo capacitação para que o dinheiro subsidie outras conquistas”, avalia Clarice.

As maneiras de garantir continuidade da produção artística e de viver da arte

Algumas alternativas às limitações materiais enfrentadas pelos grupos culturais são apontadas por Libânio, como a capacitação profissional e a busca de parcerias. O planejamento é uma dica chave para não desanimar no caminho, a ação inclui a definição de metas, objetivos e missão do grupo. “É necessário o fortalecimento do grupo para manter as atividades, alcançando visibilidade através da capacitação, gerando reconhecimento. Buscar ações coletivas, articulando-se com outros artistas e grupos, realizando trabalhos em rede, facilita os grupos a continuar produzindo. O Hip Hop Chama é um exemplo de rede coletiva de trabalhos, elaboram e realizam propostas que beneficiam vários grupos. A Rede Telemig Celular de Arte e Cidadania promove a união entre grupos culturais, que envolvem-se em melhorias para todos. Recentemente a ONG Favela é Isso Aí fez uma parceria com o projeto RedeMuiM, do Aglomerado da Serra, para realização de ações que beneficiem vários grupos. Dessa forma fica mais fácil trabalhar e obter resultados, mesmo com poucos recursos”, diz Clarice.

O estimulo financeiro e estrutural ao desenvolvimento de atividades artísticas como profissão ou garantia de renda ainda é um gargalo. A maioria das áreas artísticas sofre com a falta de apoio e recursos para o desenvolvimento de suas atividades, muitas vezes tornando artistas e produtores dependentes de leis de incentivo ou eventos beneficentes para mostrar seu trabalho. Mas a área do artesanato apresenta um panorama diferenciado. Nessa modalidade, há uma série de programas e projetos em desenvolvimento, que contribuem, de alguma maneira, para a sustentação dos trabalhos. Entre eles, vale mencionar o Programa Sebrae de Artesanato e os projetos de Economia Popular Solidária.

Na área do artesanato, o Sebrae Minas atua em 176 municípios mineiros, com 12 projetos focados na organização, capacitação técnica e gerencial e no acesso dos artesãos a mercados. Em oito anos, mais de 3.000 artesãos participaram dos projetos. O principal objetivo dessas ações vai de encontro a uma dificuldade primordial para os artesãos, que é fazer do artesanato um negócio sustentável e que gere renda para sustento familiar. Além dos projetos de formação, a geração de visibilidade, outra necessidade reclamada pelos artistas nas pesquisas da ONG, é uma das linhas de ação do Sebrae. O catálogo do Artesanato Mineiro, que já está chegando à terceira edição, é utilizado como demonstração e para a venda do trabalho de muitos artistas do estado.

Especificamente em Belo Horizonte, a Igreja Católica, através da Ação Social Arquidiocesana (ASA) incentiva a garantia de sustentabilidade aos artesãos, através, também, dos processos de formação. A ASA trabalha com o conceito de “Economia Solidária” que pode ser descrito a partir do princípio do trabalho em rede, com o objetivo de desenvolver produtos, realizar feiras, abrir mercados, fóruns, debates e seminários, gerando um sentimento de solidariedade entre os participantes. “O nosso princípio da economia popular solidária está na formação de grupos. Pessoas excluídas do mercado formal de trabalho, por vários motivos, entre eles a falta de qualificação profissional, são acompanhadas através de cursos de qualificação, definição de produtos a serem vendidos, pesquisa de mercado, acompanhamento da formação do grupo, até criarem sustentabilidade e auto-suficiência no mercado. A ótica não é somente gerar renda para a família, é inseri-la no mercado de trabalho, no qual se ela se torna empreendedora”, Marcílio de Oliveira Castro, coordenador da entidade.

As cooperativas também são alternativas bem vindas e bastante procuradas em algumas comunidades rurais e também na periferia. Trata-se de uma sociedade de pessoas com forma e natureza jurídica, não sujeita a falência, constituída para prestar serviços a seus associados, em um número mínimo de 20 pessoas. É uma empresa que contempla o lado econômico e o social dos associados e o cooperado é ao mesmo tempo dono e usuário da cooperativa. Segundo Marcílio de Oliveira, algumas pessoas têm dificuldades de trabalhar como associados e produzem melhor sozinhas. Normalmente, são as que preferem estabelecer contato direto com o cliente e tem nesse relacionamento o ponto forte da oferta do serviço.





Comentário: A falta de um espaço com estrutura adequada para produzir, ensaiar, encontrar, apresentar e comercializar o trabalho é uma das principais dificuldade encontradas pelos artistas das favelas. A ausência desse espaço acaba limitando a possibilidade de desevolvimento do trabalho dos artistas. Fatos como esses mostram que é importante a criação de espaços culturais de qualidade que sejam destinados a comunidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário