sábado, 2 de abril de 2011

Por que a deficiência causa estranheza?

Durante esta semana, estava recordando o meu primeiro dia de aula após o meu acidente.
Tinha onze anos de idade e estava cursando a quinta série do ensino fundamental. Conhecia a turma da minha sala desde a quarta série, éramos todos colegas de classe. No entanto, durante o recreio, percebi que a turma estava dividida em três grupos. Todos os grupos observavam-me atentamente. O primeiro grupo aproximou-se, perguntou o que havia acontecido comigo e logo se afastou. O segundo grupo ficou somente me observando e nem mesmo aproximou-se. Notei que os alunos desse grupo, queriam ficar o mais longe possível de mim. Entretanto havia o terceiro grupo, formado pela minoria de alunos. O grupo aproximou-se, prestou solidariedade e proferiu palavras de coragem. Esse grupo, assim como eu, não se enquadrava no corpo “perfeito”, “ideal”, cultuado pela sociedade preconceituosa. Era formado por alunos altos, negros, obesos e que de certa forma, também, sofriam preconceito por parte dos colegas.

De acordo com o ensaio “Preconceito e Discriminação como expressões de violência” das professoras Lourdes Bandeira e Anália Soria Batista, “O preconceito, assim, constitui-se em um mecanismo eficiente e atuante, cuja lógica pode atuar em todas as esferas da vida. Os múltiplos preconceitos de gênero, de cor, de classe, etc. têm lugar tipicamente, mas não exclusivamente, nos espaços individuais e coletivos, nas esferas públicas e privadas. Fazem-se presentes em imagens, linguagens, nas marcas corporais e psicológicas de homens e de mulheres, nos gestos, nos espaços, singularizando-os e atribuindo-lhes qualificativos identitários, hierarquias e poderes diferenciais, diversamente valorizados, com lógicas de inclusões-exclusões conseqüentes, porque geralmente associados a situações de apreciação-depreciação/desgraça. O preconceito se contrapõe às qualidades de caráter, como lealdade, compromisso, honestidade, propósitos que afirmam valores atemporais e regras éticas.”

Naquele momento, não me importava com o que meus colegas pudessem estar sentindo em relação a minha deficiência. Entretanto aquela situação me incomodada.

Em sala de aula não tive uma boa receptividade por parte dos professores. Eles não orientavam os meus colegas de classe sobre a questão da deficiência e a maneira de convivência que respeitasse as diferenças. Isso ocorreu na década de 80, e hoje em dia, aparentemente, a situação é a mesma em muitas escolas.

A doutora Luciene M. da Silva, em seu artigo “O estranhamento causado pela deficiência: preconceito e experiência” afirma que: “O corpo marcado pela deficiência, por ser disforme ou fora dos padrões, lembra a imperfeição humana. Como nossa sociedade cultua o corpo útil e aparentemente saudável, aqueles que portam uma deficiência lembram a fragilidade que se quer negar. Não os aceitamos porque não queremos que eles sejam como nós, pois assim nos igualaríamos. É como se eles nos remetessem a uma situação de inferioridade. Tê-los em nosso convívio funcionaria como um espelho que nos lembra que também poderíamos ser como eles.”

Lamentavelmente muitas pessoas ainda pensam dessa forma. Elas não se colocam no lugar do outro, pelo simples fato desse outro, no caso uma pessoa com deficiência, representar o quanto somos frágeis e o quanto estamos sujeitos as imprevisibilidades da vida.

Atualmente não tenho mais contato com nenhum desses grupos. O primeiro e o segundo já não tinha
mesmo, em relação ao terceiro grupo nossa amizade durou muito tempo. Porém devido às correrias do dia-a-dia e mudanças de endereço, infelizmente, perdemos contato.

O que me deixou muito feliz, foi o carinho e o apoio do terceiro grupo, pois demonstraram o valor de uma amizade e os sentimentos de solidariedade e generosidade. Quanto ao primeiro e ao segundo grupo, espero que tenham mudado a forma de pensar, já que infelizmente perderam a oportunidade de conviver e compartilhar experiências diferentes. Espero, também, que tenham aprendido a valorizar o ser humano na sua essência e não pela sua aparência. E que dessa forma possam transmitir às gerações vindouras, que o respeito ao outro ser humano, independente de sua cor, raça, etnia, característica física ou intelectual é uma demonstração de humanidade e de sabedoria.

Como diz, sabiamente, o colega Gilberto do Blog Nel Mezzo Del Cammim: “Chega de inteligência, o mundo precisa mesmo é de sabedoria!”

Texto escrito por Vera (Deficiente Ciente)

Fonte: http://www.deficienteciente.com.br/2009/10/por-que-deficiencia-causa-estranheza.html

Um comentário:

  1. Infelizmente na sociedade em que vivemos os deficientes são tratados como algo que não é comum e quando fazemos isso, estamos excluindo os deficientes da sociedade. Os serviços, os espaços públicos, as moradias, as ruas, os programas turísticos... As coisas devem ser pensadas visando atender a qualquer tipo de usuário, e não a grupos específicos, criando soluções especificas. Na arquitetura, as soluções arquitetônicas nos espaços, como por exemplo, a criação de rampas, elevadores e vagas de estacionamento especiais, muitas vezes acabam tendo um caráter exclusivo. A criação de uma rampa é necessária, mas essa deve ser destinada a todos. As vagas de estacionamento devem ter dimensões adequadas a qualquer usuário em qualquer lugar. Não se deve pensar no deficiente e nos “não deficientes” como duas coisas separadas, deve-se pensar na integração social de todos. Deve-se pensar em espaços que atendam a todos.

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